Depois da terrível morte de Emílio, minha avó entrou num estado de inconsciência. Parecia ter caído no fundo de um vulcão escuro. Ela se sentia culpada, a responsável do que tinha acontecido com o galo. E talvez fosse – pensei- ainda sentado na velha poltrona do quintal. Eu a culpava, apesar de não ter muita simpatia por Emílio. Ela, desde o início, tratou Emílio como se fosse um menino. O enchia de beijos e falava com ele. Emílio mimado dormia no colo dela. Ela o carregava e o colocava com delicadeza na cama, improvisada com trapos velhos, que ela mesma havia criado. Emílio tinha adquirido um olhar infantil, enternecedor, minha avó se derretia, e ficava eufórica, pegava-o no colo e dançava com ele. Emílio me olhava com satisfação e tentava descobrir no meu rosto, algum pingo de ciúmes. E para mim não havia dúvida, minha avó, na sua loucura, preferia o galo-menino que a mim, um adolescente despreocupado com tudo. E dono de uma única alegria: os beijos de Alicia e o chiclete de Júlia. O resto não importava e era assim mesmo que eu pensava naqueles dias.
Eu voltei ao quintal da casa de minha avó. Tinham passado vinte anos e parecia que o tempo não havia mudado nada naquela casa, em contraste com as mudanças visíveis na cidade. A cidade, o bairro, o país não eram os mesmos depois de tanto tempo. Só a casa de minha avó era a mesma. Tinha permanecido imóvel. Imersa num vácuo insolúvel, incolor. Imune ao efeito corrosivo do tempo. As mesmas coisas estavam no mesmo lugar. A xícara de alumínio, onde minha avó bebia o café forte, sem açúcar e sem leite, ainda estava pendurado no mesmo prego, na parede de madeira da cozinha. O café produzia um efeito milagroso na minha avó. Ela assoviava e parecia uma orquestra. A cadeira espaçosa, onde minha avó se sentava para fazer dormir a Emílio, ainda estava embaixo da mangueira. A poltrona velha onde eu acostumava passar minhas tardes continuava no fundo do quintal. Somente o pequeno rio que cruzava no fundo da casa parecia reduzido e triste, sem pedras que arrastar e sem o murmúrio que imitava os que minha avó fazia.
Minha avó tinha um comportamento oscilante, uma polaridade, que quando eu era adolescente, achava divertida. Eu me divertia com as oscilações de humor de minha avó, com seus murmúrios variantes. Hoje, vinte anos depois, sentado na mesma poltrona velha, no fundo do quintal, sinto uma mistura de ternura e remorso. Hoje enxergo minha avó com uma menina abandonada, solitária, buscando conforto nas lembranças distantes e num galo, que confundia com um menino. Apesar de tudo, a imagem que eu tinha de minha avó, era de uma mulher forte, sobrancelhas escuras e espessas, olhar arisco, desconfiado, triste, cabelos completamente brancos. Às vezes minha avó se sentava e se perdia, ficava indecifrável, longe, parecia que entrava em outra dimensão. Depois de vinte anos, olhando para as folhas da mangueira, descobri por fim que ela era eu.