domingo, 27 de maio de 2012

Autoretrato

Gravei minha sombra numa árvore, penso que nesta foto encontra-se uma espécie de inversão do que a fotografia é, porque neste caso não é a luz que a imagem grava, mas é a sombra que o faz.

A volta

Voltei. Andei perdido no nevoeiro que de manhã envolve as ruas desta cidade e de todas, sobretudo em dias como hoje, de um inverno que se anuncia, que não chega, mas que virá. Eu me perdi em endereços equivocados, cruzei o lago, a linha férrea, naveguei e lutei contra seres imaginários e reais. Alicia se esfumava, eu quase a alcançava. Ela tinha se transformado no pior dos meus fantasmas, e no melhor de meus sonhos.
Cheguei em cidades desabitadas, abandonadas. Eu sempre voltava ao meu lugar de origem: o pátio da casa enorme de minha avó. A casa estava abandonada, cheia de teia-de-aranhas, as paredes sujas e tristes. Apesar disso eu escutava a voz da minha avó, seus cantos na cozinha, sua voz era tão real, tão diáfana que paralisava meus sentidos e meu tempo.
A cidade continuou tremendo como um bicho esquisito, voltei para a velha poltrona de onde eu jurava ter saído, mas parecia que nunca tinha me mexido nem sequer uns centímetros. A velha mangueira ainda me desafiava e Emílio parecia me olhar de algum canto, eu não o enxergava, mas tinha certeza que ele me espetava com seu olhar cínico.
Eu sabia que Alicia viria. Ao longe se escutavam os primeiros disparos da guerra sem fim. Na rua uma multidão saqueava um caminhão de cereais, na casa do lado, uma mulher paria.