sábado, 17 de outubro de 2009
A amendoeira
San Juan del Sur é uma praia perto da fronteira sul, daí seu nome. O lugar é lindo, rodeado de morros, mas a água é gelada. De todas as praias, além de ter a água gelada, é a mais distante e por isso também me fascinava. O mar tem uma cor verde esmeralda e a água é transparente. Quando menino, eu ia com minha avó. A viagem era longa, saíamos de tardezinha e chegávamos a meia-noite. Lembro da algazarra da véspera, organizando as coisas na mala e dos faróis do ônibus rompendo a escuridão da noite. Da janela do ônibus, conseguia enxergar, no triste silêncio da noite, a luz trêmula do lampião das pequenas casas de palha que, distantes umas das outras, se estendiam na vastidão do campo. Eu experimentava uma estranha tristeza. De repente, me sentia saindo da janela do ônibus, e me transportava para uma dessas casinhas. Via-me sentado num banco pequeno de madeira, olhando a chama do lampião, sem nada mais a fazer que olhar as sombras dançantes. Tive medo de que um dia o destino me levasse a morar numa casinha dessas, no meio do nada.
Mas essa tristeza ia embora logo. Esquecia as casinhas de palha e voltava a sentir o vento que entrava pela janela do ônibus. Estava ansioso por chegar, mergulhar nas ondas do mar e deixar que o sol queimasse minha pele.
Minha avó tinha uma enorme capacidade de fazer amizades. Em qualquer lugar, ela era recebida com os braços abertos. Eu ficava admirado. Em San Juan del Sur, ficávamos na casa da família Granja. Uma família barulhenta e alegre.
O pátio da casa virava um oceano que eu sulcava com latas de sardinhas. As redes penduradas na sala eram uma diversão. Mais ainda, quando Heloisa compartilhava comigo uma dessas redes e nos balançávamos sem parar.
Essa casa ficou na minha mente para sempre. Tanto que um dia, depois de muitos anos, eu voltei. Desta vez, sem minha avó, fiquei num hotel à beira do mar. De noite caminhei pelas ruas ainda de chão batido. Vi-me caminhar com minha avó rumo ao mar. Minha memória foi me levando pelas ruas do povoado. Localizei a casa. A mesma casa de madeira, agora era uma pizzaria. Entrei e fiquei no meio das mesas. O dono, um italiano, me olhou com cara de assombro. Juraria que vi Heloísa, sentada numa das mesas, com seus cabelos lisos, olhando para mim.
No fundo do pátio da casa havia uma enorme amendoeira. Foi nessa casa que conheci Heloísa. Lembro do nome dela que, por coincidência, era o mesmo nome da mãe da minha avó. Não recordo do rosto dela, só da sensação de estar perto dela, das cócegas que me provocavam seus cabelos lisos. Recordo que subíamos na parte mais alta da amendoeira. Dali, além dos telhados de barro, se podia enxergar o mar que brilhava como um espelho.
O vento fazia tremer a amendoeira. Nossas mãos se encontravam, de início se reconhecendo mutuamente, até ficar grudadas na eternidade de um minuto. Ouvi ela falar baixinho: “Eu serei seu mar e você meu rio”. Aquele dia as folhas da amendoeira tremeram mais forte que de costume.
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