segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Elmer

Desde que Alicia foi embora, o tempo passou como um imenso redemoinho que não tinha fim. De manhã, quando eu acordava, o primeiro que fazia era olhar para casa dela. As portas fechadas da casa de Alicia golpeavam meus olhos e minha alma se estremecia. Uma nuvem escura entrava para dentro da minha casa e minha avó nem percebia. As roupas branquíssimas secavam ao sol, sobre as pedras que minha avó tinha amontoado no centro do pátio. Elmer, o gato, me olhava com indiferença. Eu também olhava para ele com a mesma indiferença, quiçá maior. Sua atividade preferida era ronronar se esfregando na minha perna e caçar pequenos roedores. Um dia veio para mim, com um roedor na boca, com o rabo balançando (o do rato dentro da boca do gato), como pedindo aprovação para digeri-lo. Eu o mandei embora. Fiquei com nojo, mas feliz por ele ter pegado aquele rato que eu inutilmente perseguia fazia dias. Elmer caminhou lentamente em direção a um canto da casa. Deitou-se mansamente, e começou a saborear seu manjar. Depois disso, dormiu a tarde toda. Eu fui me sentar embaixo da enorme amendoeira da casa da vizinha. Fazia calor, afinal era janeiro. A poeira cegava meus olhos, mas o vento agitava as folhas da amendoeira apaziguando o calor.
Era tempo de férias. Por causa de Alicia, os dias pareciam intermináveis. Do contrário, os dias de férias sempre voavam e inexoravelmente, o primeiro dia de aula chegava num abrir e fechar de olhos. As ruas não eram as mesmas. Até as pessoas se comportavam de forma diferente. Ninguém vestia uniforme escolar. Eu mesmo me sentia feliz de camiseta, bermudas e tênis.
Esperar por Alicia, tornou-se meu motivo principal de cada dia. Era minha missão, meu tormento, meu prazer solitário. Na minha mente, cada beijo dela era reprisado milhares de vezes. Sabia de cor cada movimento de seus lábios e do ritmo dos seus beijos.
Voltei para casa. Meu pai, de regata e calça caqui, na máquina de costura. Da cozinha, se espalhava por toda a casa, um aroma inesquecível e que eu jamais consegui imitar. Minha mãe preparava o almoço.
Eu, como muitas crianças, vivia cheio de proibições. Entre minha casa e o lago havia uma estrada de ferro. O trem aparecia de repente, estremecendo as paredes das casas. Eu sabia que perto de meio-dia nunca passava. Elmer pareceu adivinhar minhas intenções, foi até a porta e me olhou com aquela cara de saber tudo. Não dei bola. Tentou seguir-me, mas se entreteve na esquina com uma borboleta colorida.
Ultrapassei a estrada de ferro. E correndo cheguei à beira do lago justamente quando um barco atracava no pequeno porto. Sentei-me numa pedra esperançoso de que Alicia estivesse chegando. O meu coração acelerou, pulando enlouquecido quando a vi. Ela veio direto na minha direção, me abraçou e de novo, senti seus lábios nos meus. Ela parecia ronronar e eu morria de felicidade enquanto ela encostava suas pernas gordas nas minhas. Não sei quanto tempo se passou. Eu diria que quase uma eternidade. De repente, abri os olhos e vi que Elmer tinha terminado sua refeição e ronronando, se esfregava nas minhas pernas.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Pólvora e mel

Ainda sentia no ar o cheiro de pólvora. As ruas abandonadas. Só ela na janela: cabelos desarrumados e a pinta resguardando sua boca, como um guardião fiel. Só estou eu na rua, mas ela não olha para mim. Estou coberto de poeira e sangue. O avião bombardeou a cidade o dia inteiro. Há escombros espalhados nas esquinas e a morte se esconde debaixo das folhas caídas que apodrecem. Olho para a janela e ela não está mais. Nem a janela, nem a casa. O bombardeio continua. Barris cheios de pólvora são despejados e explodem perto. Vejo a fumaça alcançar o céu. O estrondo me aturde. Ela está de novo na janela, desta vez sorri para mim. Afundo-me nos seus olhos de mel e desapareço com a cidade vazia.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Terremotos

Eu tinha quinze anos quando vivi o último terremoto em Manágua. As imagens do terremoto no Haití me fizeram lembrar o que vivi: cadáveres nas ruas, pessoas presas nos escombros, famílias inteiras enterradas nas suas próprias casas. Muitos feridos e mutilados. A cidade foi sepultada viva. Também vi grupos saqueando casas, mercados e lojas.

Uma foto chocante do terremoto no Haiti que vi nos jornais nestes dias, foi a de um homem roubando um caixão com um cadáver dentro. O homem desalojou o cadáver, que já estava ali, puxando-o pelos pés.

Hoje Manágua não existe. Vi desaparecer meus cinemas preferidos, meu colégio, os lugares que eu freqüentava. O bairro onde eu morava ficou transformado em poeira.

Minha avó me salvou de morrer soterrado na nossa casa em Manágua. Na verdade foi a morte de minha avó a que me salvou. Ela morreu cinco dias antes do terremoto. Eu morava com ela no centro da cidade. Fui morar com minha mãe na periferia onde o terremoto não derrubou muitas casas. Quando os tremores se acalmaram um pouco fui para o centro. A casa onde eu morava com minha avó, não existia mais. Nunca me recuperei desse golpe. Terremotos em qualquer lugar do mundo, me estremecem.


Los bate-mierda

Después del triunfo, el chino y yo éramos trotskos. Andábamos enloquecidos con la revolución mundial, vendíamos inútilmente “El proletario”, un periódico hecho artesanalmente y que denunciaba la invasión inglesa en la islas Malvinas como la soviética en Afganistán. Pero también teníamos que sobrevivir, teníamos que comer y forjábamos ideas espectaculares y fantásticas, así como la utópica República Socialista Centroamericana que soñábamos. Pensamos en ser taxistas, pero no sabíamos manejar; obreros de la construcción y nunca habíamos agarrado una pala. Hicimos hasta exámenes psicológicos en la universidad para no me acuerdo que empleo: Fuimos aplazados. Y así la vida seguía. Un primero de mayo fuimos expulsados a golpes de la plaza de la revolución porque distribuíamos un comunicado exigiendo la abolición del código del trabajo que era aún somocista. Solo nosotros para hacer una locura de esas. Y seguíamos buscando trabajo. Un día fuimos al Ministerio de Salud, donde trabajaba un conocido y para alegría nuestra nos ofreció un trabajo. “No sé si ustedes van a querer, dijo él riendo, pero solo hay trabajo de bate-mierda”. Nosotros no dudamos ni un segundo y aceptamos. Nuestro amigo nos dijo que llegáramos al día siguiente. Bien tempranito estábamos en la puerta de la oficina, pero no vimos a nuestro salvador. Un funcionario se acercó y hablando bajito, nos dijo que a nuestro amigo, se lo habían llevado preso porque era del Partido Comunista. Y así se acabaron nuestros sueños de tener un empleo digno.