sábado, 24 de abril de 2010
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Poema de chuva
Em dias assim, como este de hoje: nublado, com chuva, sem sol, sem sal, deveria ser proibido e ilegal sair de casa. Eu aproveitaria para redescobrir no teu corpo, os detalhes do universo: as estrelas de teus seios, o astro perto do teu calcanhar, o pequeno sol que alumbra teu centro, o vulcão que incendeia teu norte, o furacão que estremece teu sul. Eu iria de um pólo a outro e me arrastaria, como um anão sonolento, pela vastidão do teu território e recolheria com minha boca, cada fruto, cada folha, cada gota de tua chuva. Lá fora: o mundo se afogando e eu me deleitando nas tuas inundações.
Os universitários
A déspota mandou fechar todas as portas e janelas da casa. Olhei por uma fenda da parede de madeira e vi uma longa fila de estudantes gritando. As paredes dos prédios foram se enchendo de frases de todas as cores: “liberdade para os presos políticos” que estava escrito com um vermelho brilhante; “abaixo a ditadura” em letras de um azul intenso e profundo. Os gritos continuaram a noite toda. As portas e janelas continuaram fechadas. Ouvi explosões e mais gritos. Houve confusão na casa, alguns foram se esconder nos seus quartos, outros ficaram paralisados nas cadeiras. Minha avó continuava imóvel num canto. Pareceu-me ver Santana lendo a “bíblia”, mas foi uma miragem momentânea, a cadeira continuava vazia, esperando-o. Mercedes aproveitando a confusão me chamou desde seu quarto. Ela me esperava vestida somente de saia, os seios nus, eu olhei para seus seios e me pareceram duas montanhas macias, igual às duas montanhas quase gêmeas que há lá no horizonte do lago. Estendeu seus braços com o mesmo jeito de sempre, com um sorriso meigo e os olhos brilhando. Eu busquei refúgio nos seus seios. Os gritos e explosões foram se acalmando, pensei que era por causa da respiração ritmada de Mercedes e do seu coração eu ouvi, a mais bela das canções que eu ainda ouço.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Lo fatal - Rubén Darío
y más la piedra dura porque ésa ya no siente,
pues no hay dolor más grande que el dolor de ser vivo,
ni mayor pesadumbre que la vida consciente.
Ser, y no saber nada, y ser sin rumbo cierto,
y el temor de haber sido y un futuro terror…
y el espanto seguro de estar mañana muerto,
y sufrir por la vida y por la sombra y por
lo que no conocemos y apenas sospechamos,
y la carne que tienta con sus frescos racimos,
y la tumba que aguarda con sus fúnebres ramos,
y no saber adónde vamos,
ni de dónde venimos…!
domingo, 18 de abril de 2010
Manoel de Barros
sábado, 17 de abril de 2010
MANOEL DE BARROS - O Livro sobre Nada
* Tudo que não invento é falso.
* Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
* Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
* É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
* Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
* Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
* A inércia é o meu ato principal.
* Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
* O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
* A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
* Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
* Por pudor sou impuro.
* Não preciso do fim para chegar.
* De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra — Como um lápis numa península.
* Do lugar onde estou já fui embora.
sábado, 10 de abril de 2010
O milagre de um raio de luz
Santana sumia da pensão por largas temporadas. Ninguém percebia sua ausência. A estratégia dele, para passar desapercebido, era eficiente: ficar imóvel, lendo num canto da sala. As noites frescas do inverno convidavam a jogos de cartas. No inverno não fazia frio, apenas chovia muito, principalmente às noites. Eu gostava do barulho da chuva no telhado. Ramona era uma moça de vinte anos, que recém chegava à capital para estudar ciências contábeis. Era morena, com uma pinta perto da boca, olhos negros, sobrancelhas generosas, vestida quase sempre de uma saia deliciosamente curta. Eu adorava sua risada estridente e gostosa, sobretudo quando perdia e tinha que entregar seus lábios para o ganhador. Eu fazia trapaça e dava um jeito de ficar com todos os beijos que Ramona podia dar numa noite. Certo dia, Mercedes descobriu porque eu gostava muito de jogar cartas todas as noites. Ficou semanas sem falar comigo, até que de novo minhas idas à cozinha ficaram mais freqüentes. Mercedes me beijava apaixonadamente. Não joguei mais baralho com Ramona. Os gritos voltaram desta vez com mais força. Eram os mesmo gritos que eu tinha escutado antes. Mercedes me beijava no meio do cheiro de alecrim, orégano e alho que se levantava das panelas da sua mãe. Para mim, os beijos de Mercedes eram o único que importava nesse momento. Uma tarde, a casa estava insolitamente vazia, Mercedes me chamou para seu quarto. Deixei o que estava fazendo e fui rapidamente em busca dela. Abri a porta do quarto em penumbra. Apenas um raio fino de luz penetrava timidamente por uma fenda da parede de madeira. Senti o perfume dela. Ela estava nua e eu me aproximei. Ela me estendeu seus braços. Grudei meu rosto entre seus seios. E fiquei ali, meio adormecido na sua pele macia. Depois sua boca buscou a minha, enredou sua língua, vasculhando dúvidas e segredos. Minha alma flutuava no teto do quarto. Cai de repente no chão ao grito da déspota: “Mercedes!!! Vem me ajudar!!!” Dona Francisca tinha chegado do mercado com um monte de sacolas repletas de verduras e carne. Sai voando e fui me esconder no meu quarto, ainda com a visão de Mercedes nua, na minha cabeça. Por muito tempo fiquei agradecido àquele raio fino de luz, mas poderoso e que gravou em mim para sempre a imagem maravilhosa da primeira mulher nua.