Santana sumia da pensão por largas temporadas. Ninguém percebia sua ausência. A estratégia dele, para passar desapercebido, era eficiente: ficar imóvel, lendo num canto da sala. As noites frescas do inverno convidavam a jogos de cartas. No inverno não fazia frio, apenas chovia muito, principalmente às noites. Eu gostava do barulho da chuva no telhado. Ramona era uma moça de vinte anos, que recém chegava à capital para estudar ciências contábeis. Era morena, com uma pinta perto da boca, olhos negros, sobrancelhas generosas, vestida quase sempre de uma saia deliciosamente curta. Eu adorava sua risada estridente e gostosa, sobretudo quando perdia e tinha que entregar seus lábios para o ganhador. Eu fazia trapaça e dava um jeito de ficar com todos os beijos que Ramona podia dar numa noite. Certo dia, Mercedes descobriu porque eu gostava muito de jogar cartas todas as noites. Ficou semanas sem falar comigo, até que de novo minhas idas à cozinha ficaram mais freqüentes. Mercedes me beijava apaixonadamente. Não joguei mais baralho com Ramona. Os gritos voltaram desta vez com mais força. Eram os mesmo gritos que eu tinha escutado antes. Mercedes me beijava no meio do cheiro de alecrim, orégano e alho que se levantava das panelas da sua mãe. Para mim, os beijos de Mercedes eram o único que importava nesse momento. Uma tarde, a casa estava insolitamente vazia, Mercedes me chamou para seu quarto. Deixei o que estava fazendo e fui rapidamente em busca dela. Abri a porta do quarto em penumbra. Apenas um raio fino de luz penetrava timidamente por uma fenda da parede de madeira. Senti o perfume dela. Ela estava nua e eu me aproximei. Ela me estendeu seus braços. Grudei meu rosto entre seus seios. E fiquei ali, meio adormecido na sua pele macia. Depois sua boca buscou a minha, enredou sua língua, vasculhando dúvidas e segredos. Minha alma flutuava no teto do quarto. Cai de repente no chão ao grito da déspota: “Mercedes!!! Vem me ajudar!!!” Dona Francisca tinha chegado do mercado com um monte de sacolas repletas de verduras e carne. Sai voando e fui me esconder no meu quarto, ainda com a visão de Mercedes nua, na minha cabeça. Por muito tempo fiquei agradecido àquele raio fino de luz, mas poderoso e que gravou em mim para sempre a imagem maravilhosa da primeira mulher nua.
sábado, 10 de abril de 2010
O milagre de um raio de luz
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