quinta-feira, 22 de abril de 2010

Os universitários

Os gritos foram, desta vez, ensurdecedores, intermitentes, começavam baixinhos, iam se multiplicando até explodir em milhares de vozes. Minha avó olhava pela janela e murmurava: “são os universitários, são os universitários”. E ficava num canto tremendo, em silêncio, com os olhos cravados no piso de cimento. Um cheiro estranho, que soube depois que era gás lacrimogêneo, penetrou a sala. Vi minha avó chorar sem sequer piscar seus olhos. As lágrimas desciam pelos sulcos que o tempo tinha gravado no seu rosto. Hoje percebo, em toda sua dimensão, a sensação de abandono que, dessa vez e para sempre, dela tinha se apoderado.
A déspota mandou fechar todas as portas e janelas da casa. Olhei por uma fenda da parede de madeira e vi uma longa fila de estudantes gritando. As paredes dos prédios foram se enchendo de frases de todas as cores: “liberdade para os presos políticos” que estava escrito com um vermelho brilhante; “abaixo a ditadura” em letras de um azul intenso e profundo. Os gritos continuaram a noite toda. As portas e janelas continuaram fechadas. Ouvi explosões e mais gritos. Houve confusão na casa, alguns foram se esconder nos seus quartos, outros ficaram paralisados nas cadeiras. Minha avó continuava imóvel num canto. Pareceu-me ver Santana lendo a “bíblia”, mas foi uma miragem momentânea, a cadeira continuava vazia, esperando-o. Mercedes aproveitando a confusão me chamou desde seu quarto. Ela me esperava vestida somente de saia, os seios nus, eu olhei para seus seios e me pareceram duas montanhas macias, igual às duas montanhas quase gêmeas que há lá no horizonte do lago. Estendeu seus braços com o mesmo jeito de sempre, com um sorriso meigo e os olhos brilhando. Eu busquei refúgio nos seus seios. Os gritos e explosões foram se acalmando, pensei que era por causa da respiração ritmada de Mercedes e do seu coração eu ouvi, a mais bela das canções que eu ainda ouço.

Nenhum comentário: