Emílio tinha a desfaçatez de entrar na casa sem pedir licença, justamente no momento em que Júlia me dava seu chiclete. Ficava olhando para mim com ar de reprovação e parecia balançar a cabeça como dizendo “que espectáculo!”. As tardes se repetiam. Nunca uma repetição foi tão desfrutada por mim, como essas tardes em que Júlia, generosa, oferecia o chiclete mais macio e saboroso que já provei. Eu já tinha abandonado a poltrona velha do fundo do quintal. Depois do almoço, minha avó e minha prima tomavam café e conversavam. Eu me tornava invisível aos olhos da minha avó. Júlia me olhava sem me olhar e se deleitava sabendo que eu tinha caído na sua armadilha. Seguindo o ritual, minha avó ia para a cozinha e entre murmúrios e canções, ela lavava panelas e pratos. Júlia saia para a porta da casa e se espreguiçava. Depois, sem fazer barulho, caminhava para minha cama onde, como sempre, eu fingia dormir. Eu nem abria os olhos, apenas a sentia chegar junto a mim. Sentava-se na minha cama e eu a imaginava sorrindo. Ela sabia que eu fingia dormir. Ela aproximava sua boca da minha. O chiclete era como um álibi entre seus dentes. Era nesse exato momento que Emílio entrava na casa. Eu ouvia o som metálico de suas patas que se confundia com os murmúrios da minha avó. Eu não abria os olhos, mas sabia que Emílio estava aí, observando, reprovando e consciente de que ele tinha perdido a função de me distrair do meu tormento. Júlia deixava cair na minha boca o seu chiclete e em troca ela pedia minha língua. O dia se fazia noite e várias estrelas, como se fossem mangas, caiam no quintal
Nenhum comentário:
Postar um comentário