Minha avó mudava de comportamento: tinha alguns dias que ela acordava feliz, risonha, cantando, com energia, colocava água nas plantas, dava de comer às galinhas, e pegava Emílio no colo, o beijava e o chamava de “meu guri”. Eu olhava para minha avó beijando o galo no bico, ele se eriçava todo, mexia o rabo de penas, como se fosse um cão. Emílio fechava os olhos e se deixava acariciar. Pensei que a loucura tinha-se apoderado de todos, menos de Júlia que iluminava o dia quando aparecia na porta, com seu sorriso espontâneo e feliz. Com freqüência ela dormia na casa da minha avó.
Para mim, os sinais de loucura coletiva eram claros, eu escutava vozes sem parar e gritos agudos que não conseguia identificar; minha avó com seus murmúrios estranhos, que às vezes pareciam cantos tribais de morte e guerra, ou cantos de ninar, além de suas mudanças drásticas de humor; Emílio negando-se como galo e querendo ser outro bicho: ora um gato, ora um cachorro. Até agora não consegui entender esse comportamento de Emílio, mas que talvez explique seu triste fim anos depois.
Júlia como sempre mastigava chicletes e eu, como um terneiro, ruminava seus beijos. Ela dormia na sala numa cama que minha avó improvisara. Quando a casa ficava no escuro, e minha avó dormia, ela ia para minha cama, e me beijava sem chiclete. A minha avó tossia e Júlia ficava imóvel. Eu tentava inutilmente segurar minha respiração e o coração dela era um redemoinho. Em silêncio, Júlia guardava na minha boca seus beijos. Nessas noites eu não sonhava com Alicia.
Outros dias, minha avó afundava numa tristeza inexplicável. A sua tristeza era tão enorme que me invadia e contagiava tudo. Nesses dias, a mangueira se recusava, como uma menina mimada, a oferecer suas mangas. Apesar do vento de janeiro, nenhuma de suas folhas se movia. Eu ficava surpreso e até pensava que se tratava de alguma bruxaria, o tronco e os galhos da mangueira tremiam, e até poderia jurar que dela saiam aqueles gritos desesperados que eu ouvia. E para arrematar, justamente nesses dias, Júlia não aparecia. Emílio ficava deitado num canto do quintal, e apenas se movia, não comia nada, permanecia de olhos fechados, imóvel. As minhocas pareciam felizes, com certeza estranhavam o comportamento esquisito de Emílio.
Minha avó, sentada na sala, olhava o relógio velho. Depois, parecia se distrair, olhando para uma boneca que dançava com o vento que entrava pela janela. Era uma bonequinha de porcelana que meu tio Federico tinha trazido da Índia. Federico era o irmão mais velho do meu pai. Minha avó contava que Federico tinha se tornado marinheiro e mostrava o desenho de um barco pintado de vermelho e preto, que o próprio Federico tinha feito. O pai de Federico também se chamava Federico e tinha sido morto na Guerra de Mena em 1912. Minha avó falava com emoção de Federico-pai, mas o fazia somente quando meu avô não estava por perto. Eu me sentava junto dela e a ouvia o dia inteiro contar as histórias de Federico, o marinheiro. Minha avó se acalmava e voltava a murmurar, desta vez como se fosse uma música infantil. Na parede, o barco vermelho e preto sulcava mares azuis.
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