segunda-feira, 22 de junho de 2009

Sopa e Vinho

Se você não pode vencer seu inimigo, junte-se a ele. Este é um ditado interessante, mas duvidoso. Como alguém pode se juntar a seu inimigo sem que deixe de sê-lo. Mas o inimigo não é, necessariamente, uma pessoa, pode ser uma coisa, o tempo, o clima, a chuva, o frio. O frio é uma espécie de inimigo que se tornou íntimo. Eu acho que estou aprendendo a ver seu lado bom. Nestes dias, cheguei à conclusão que existe um lado bom do frio, apesar de que eu não fui fabricado para este clima. Eu fui desenhado para passear pelos trópicos e não por climas gélidos.
Tenho aprendido que o ser humano tem uma inimaginável capacidade de se adaptar a qualquer coisa. Se ele não faz isso, desaparece. Quantos não passaram pelas piores condições e sobreviveram a elas? Lembro de Nelson Mandela e seus mais de vinte anos de cativeiro. Então descubro que, em algum lugar tenho um comando, um mecanismo, que de forma inconsciente começa a funcionar, absorvendo o meio ou o ambiente todo. Assim foi na guerra e na fome da guerra, no terremoto ou no exílio voluntário.
O mundo é uma surpresa e a vida que queremos e imaginamos pode estar num ponto no infinito, e um dia, ao acordar de manhã, decidimos ir buscá-lo. Coisas simples podem desmanchar um ambiente adverso. Somente precisamos saber quais são e como encontrá-las. E "por supuesto", como e quando usá-las. Uma taça de vinho e uma tigela de sopa podem desmanchar a solidão do frio. Numa noite de frio é imprescindível ter a mão uma mulher nua, como disse Mario Benedetti, ou um cobertor de orelhas, como dizem, naquela canção, os guris de Pelotas: Kleiton e Kledir.
Numa das minhas viagens a Manágua, levei para lá, uma fita de Kleiton e Kledir. A fita ficou gasta de tanto ouvir. A vizinha de minha mãe, uma guria gorda, a Matilda, filha da senhora que vendia verduras no mercado, adorou as músicas que cantava de jeito engraçado. Primeiro implorou, mas depois exigiu que eu traduzisse a letra de “Deu pra ti”. Senti seu enorme peso sobre mim e o cheiro de camomila de seus cabelos. Ela continuou demandando, batendo pé. Mas como eu ia traduzir algo intraduzível. “Deu pra ti” é impossível de traduzir. Eu inventei alguma coisa que nem lembro. Eu disse para ela que “Deu pra ti” significava “Adiós para ti”. Ela não acreditou. Achou que significava algo mais bonito do que isso, e com certeza é.

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