sábado, 28 de fevereiro de 2009

Cuando tú estés dispuesta

Humberto Megget

Cuando tú estés dispuesta
comeremos
un pedazo de manzana en automóvil
y cuando regresemos
de una higuera recogeremos higos
y alimentaremos a gorriones vagabundos
cuando tú estés dispuesta
se sobrentiende
nos entretendremos en aprender el idioma de lombrices
en dibujar con carbones caravanas de hormigas
y luego subiremos como por un tronco hacia la montaña
y plantaremos la primera flor para sonrisa de los aviadores.
Cuando tú estés dispuesta haremos tantas cosas
nos pondremos a descansar bajo las palmeras
y a descubrir cómo se hacen el amor los grillos
luego correremos con nuestras alforjas al mar
y las llenaremos de espumas
que agitaremos en el espacio para que formen sobre
nuestros cuerpos techos
que cobijarán el secreto de nuestras representaciones nocturnas
siempre
claro está
cuando tú estés dispuesta.

Epitafio para Joaquín Pasos (Ernesto Cardenal - Joan Manuel Serrat)

Aquí pasaba a pie por estas calles,
sin empleo ni puesto y sin un peso.
Sólo poetas, putas y picados conocieron sus versos.
Nunca estuvo en el extranjero.
Estuvo preso.
Ahora está muerto.
No tiene ningún monumento...
Pero
recordadle cuando tengáis puentes de concreto,
grandes turbinas, tractores, plateados graneros,
buenos gobiernos.

Porque él purificó en sus poemas
el lenguaje de su pueblo,
en el que un día se escribirán los tratados de comercio,
la Constitución, las cartas de amor,
y los decretos

O crime perfeito


Joaquin Pasos nasceu em Granada, no dia 14 de maio de 1914. Morreu em Manágua antes de cumprir 33 anos. Ele fez parte do movimento de vanguarda que renovou a poesia na Nicarágua. Em 1945 organizou seus poemas em “Breve Suma”, publicado postumamente. Fez tradução de poesias e peças de teatro. Sua obra permanece dispersa em revistas e jornais. Ernesto Cardenal compilou seus poemas no livro “Poemas de um joven.”
Num poema, musicado por Joan Manuel Serrat, Cardenal escreve que só putas, poetas e bêbados conheceram seus versos. Mas a melhor definição de Pasos é a de Mario Benedetti, poeta e escritor Uruguaio.
Benedetti disse que se quiséssemos mostrar o perene isolamento que padecem os países latino-americanos, teríamos que nos referir ao poeta nicaragüense Joaquin Pasos.
Nas palavras de Benedetti, pouco antes de morrer, Pasos escreveu um dos poemas mais profundos surgidos na América Latina. Ele se refere ao poema “Canto de guerra das coisas”, comparável facilmente com “Sermão sobre a morte” de César Vallejos ou a “Alturas de Macchu Picchu” de Pablo Neruda; ou “Solilóquio do individuo” de Nicanor Parra. A diferença é que Pasos só é conhecido no México e na América Central. E mesmo no México, sua obra tem sido escassamente difundida.
A ironia de Pasos contra Somoza, custou-lhe algum tempo na cadeia.
É interessante que Benedetti tece um paralelo entre Joaquin Pasos e o poeta uruguaio Humberto Megget (1926-1951) que, como o nicaragüense, morreu jovem. Ele sugere que há entre os dois poetas a poderosa capacidade de transformar as coisas em imagens.
Megget nasceu em Paysandú e morreu de tuberculose em Montevidéu aos 24 anos. Morreu completamente desconhecido e nem poetas, putas e bêbados conheciam seus versos. Mas para eles, fazer um poema era planejar um crime perfeito, como escreveu Carlos Martínez Rivas, no seu “Canto fúnebre a la muerte de Joaquín Pasos” .

Granada: a capital dos poetas




A última vez que eu voltei para Nicarágua foi em janeiro de 2005. Em Granada se iniciava o Festival Internacional de poesia. Hoje este festival tornou-se uma tradição. E não por acaso. Na cidade, junto a seu atrativo arquitetônico colonial, formaram-se gerações de poetas e escritores. Fazendo da cidade, uma espécie de capital cultural do país.
Depois de vários anos, voltava para Nicarágua. Voltar para o “paisito”, como dizem os uruguaios, concentrava em mim sensações confusas. Voltar é desfrutar todos os sabores da identidade nacional. Já no aeroporto do Panamá, primeira escala da viagem, curtia o sotaque nicaragüense. Muitos nicaragüenses acostumam fazer compras no Panamá.
Do Panamá para Manágua é um pulo. O avião cruza a fronteira com a Costa Rica. A paisagem muda radicalmente. Cúmplices, as nuvens desaparecem. Vejo as montanhas verdes que traçam a geografia. Os rios, que do alto parecem preguiçosos. Dá para ver claramente, as lagoas que se formaram nas crateras dos vulcões apagados.
O Lago Cocibolca devolve brilhante, os raios do sol. Parece que Granada dorme tranquila a seu lado.
O avião sobrevoa Manágua. Tento adivinhar as ruas, os pontos de referência. A saudade não impede que eu enxergue a feiúra dos barracos da periferia. Que ilusão. Falo da periferia como se Manágua tivesse um centro. Manágua é uma cidade que não existe. Destruída pelo terremoto de 72, Manágua é uma anti-cidade.
Talvez por isso, eu goste tanto de Granada. Granada é anti-tese de Manágua. E Pelotas é igual a Granada. Em Manágua, as ruas sumiram. As casas desapareceram. O outro lago, o Xolotlán ficou solitário e abandonado.
Fui para Granada onde, como disse no início, acontecia o I Festival de Poesia. Nicarágua, além de lagos e vulcões, é o país dos poetas. Se Rubén Darío é sem dúvida o mais importante, há outros poetas reconhecidos internacionalmente.
No final da década dos anos vinte eclodiu em Granada o movimento de vanguarda. Nessa época, os poetas se manifestavam em lugares públicos como a igreja “La Merced”. Hoje, os mesmos lugares são ocupados pelos poetas que participam dos festivais.
A primeira edição do festival de poesia foi dedicada aos poetas Joaquin Pasos e Ernesto Cardenal. Joaquin e Ernesto, junto com Joaquin Zavala Urtecho, fizeram parte do movimento de Vanguarda.
Neste festival participaram 90 poetas de 25 países do continente, inclusive do Brasil. Da platéia, ouvi atentamente o poeta brasileiro. E ali, no meio da multidão, senti saudades do Brasil.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Caos na cidade




6:45. Toca o despertador. Acordo meu filho que, como sempre, resmunga. Chove outra vez. Olho de novo pela janela. A água inunda as calçadas. Um homem pedala sua bicicleta inaugurando um novo esporte aquático. Melhor não ir à escola hoje – disse o guri cabeludo cheio de sono. Eu deveria tê-lo ouvido. Mas como ele diz isso quase sempre, decidi sair mesmo assim, rumo ao colégio.
As ruas estavam um caos. Os carros pareciam perdidos como baratas tontas. Alguns voltavam, outros avançavam sem saber onde. Na Gonçalves Cháves os carros vinham em sentido contrário.
Navego no meio da rua para não flutuar. Vejo árvores no chão e pessoas que se dirigem a seus trabalhos com a água nos joelhos. Os mais humildes, perdem suas coisas e olham tristes e impotentes a água invadir suas casas. Totalmente abandonados pelas instituições. No Laranjal, as águas da lagoa, invadem a rua principal. Fácil culpar, pelo descaso, às chuvas de verão ou ao aquecimento global.
A chuva é inclemente. A água corre livre e solta pelo novo asfalto que é incapaz de absorvê-la.
Pelotas é um nome estranho para uma cidade. A primeira vez que ouvi falar de Pelotas, eu estava nas águas da Laguna de Xiloá, perto de Manágua. Eu estava vindo para Santa Maria fazer um mestrado. Um brasileiro que estava por lá, na mesma lagoa, falou de Pelotas e fez um comentário daqueles preconceituosos sobre a cidade. Ele também disse que Santa Maria ficava perto de Pelotas. Nunca imaginei que um dia moraria aqui.
Pelotas era a denominação dada a pequenas “embarcações” feitas de couro e em forma de pelota. Essas pelotas eram usadas pelos escravos para transporte. Alguns historiadores afirmam que muito antes, eram usadas pelos índios. Outros dizem que é de origem marroquina. Seja como for, o arroio que deu o nome à cidade, ficava quase coberto daquelas pelotas de couro. Por isso, o arroio passou a se chamar Pelotas e a cidade também. Quem sabe daqui a pouco cada habitante será dono de uma pelota para, nos dias de chuva, usá-la como meio de transporte.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

William Walker


Eu tinha a idéia de que William Walker era um tosco filibusteiro, um mercenário, um louco. No entanto, a sua origem é distinta. Alias a palavra filibusteiro significaria pioneiro. Na Nicarágua, a palavra virou do avesso para significar bandido e invasor. E ele foi exatamente isso.
Walker nasceu no Tennesse, em 1824. Vinte anos depois, se formava em medicina. Viajou pela Europa e foi influenciado pela revolução de 1848. Em 1850, de volta aos Estados Unidos, formou-se em Leis. Sem exercer a profissão, dedicou-se ao jornalismo e se tornou sócio do semanário “Crescent”.
Foi para Califórnia, onde trabalhou como editor do San Francisco Daily Herald. Era a época da corrida do ouro (1848-49). Ali entrou em contato com aventureiros de toda espécie. Em 1853, se aventura na conquista da Baja Califórnia, que pertencia ao México. Soprava o vento do Destino Manifesto e ecoava o grito de “América para os americanos” (leia-se para os Estados Unidos). Em três de novembro de 1853, ele mesmo se denominou Presidente da Baja Califórnia. As noticias de suas aventuras contra os mexicanos se espalharam rapidamente. Na imprensa, a palavra filibusteiro era usada como sinônimo de pioneiro do progresso.
Sua fama chegou até Nicarágua, onde ocorria uma guerra civil entre conservadores e liberais. Foram os liberais que chamaram Walker. Granada era o berço dos conservadores e León dos liberais. Em 16 de junho de 1855, chegou Walker e seu bando. Em pouco tempo destruiu Granada, decretou o Inglês como língua oficial e reinaugurou a escravidão.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

PELOTAS É PLANA


Pelotas é totalmente plana e o céu se abre generoso sobre ela. É domingo de manhã. O sol amarelo anuncia um lindo dia. Cachorros se amontoam nas esquinas. Caminho devagar. Cruzo as avenidas solitárias. Na praça três cavalos magros esperam algum menino-caubói. Um velho dorme sentado na calçada. Sentados frente a frente dois jogadores de damas morrem de tédio. No café Aquário, um homem de barba branca comenta qualquer coisa sobre o jogo de futebol. Outro, de boné xadrez, olha para a mulher que passa distraída. Tomo café sozinho. Peço uma recheada de pernil. Minha favorita. Passo a vista pelas páginas do jornal na minha mesa. Nada interessante. Olho para a janela. As pessoas estão saindo das suas casas e invadem as ruas alegremente. Pelotas é como Granada. Posso me imaginar sentado num café da Calle La Calzada. Tudo se repetiria. Os mesmos personagens. Algum excêntrico fumaria cachimbo e com os olhos devoraria alguma mulher de vestido floreado. Eu tomaria um café sem recheada. Folharia o jornal sem interesse. Caminharia pelas ruas lembrando os lugares da minha infância. Contemplaria as velhas mangueiras que vigiam a rua que desemboca no lago. E sentiria o vento no meu rosto. Granada é totalmente plana. Igual a Pelotas.

Granada: sua origem


Granada foi fundada em 1524 por Francisco Hernández de Córdoba. Localizada na margem do Lago Cocibolca, foi uma das primeiras cidades fundadas pelos espanhóis em terra firme.
Granada, igual a todas as cidades da Nicarágua, é resultado da imposição à população indígena, de uma determinada concepção urbana de parte dos conquistadores espanhóis.
O traçado regular e uniforme substituiu a dispersão e a separação das construções das populações indígenas. Da mesma forma, o ladrilho e as telhas de barro substituíram a palha como material das construções.
Apesar disso, Granada foi se configurando uma espécie de hibridismo na concepção urbanística. O clima e a geografia do novo mundo exigiam adaptações nos materiais e nas técnicas das construções. Este hibridismo foi se consolidando ao ritmo das transformações econômicas e políticas.
A carta do conquistador Pedrarias Dávila ao Rei da Espanha contém os principais eixos norteadores que orientaram a formação e as características urbanas de Granada.
Nessa carta ele destaca a localização privilegiada de Granada e a importância do Lago. Desde então o lago desempenhou até agora um papel primordial, visto que, comunica-se através do Rio San Juan, com os oceanos Pacífico e Atlântico. A busca dessa via de comunicação se transformou numa obsessão para os espanhóis desde os tempos de Gil Gonzalez. Em 1856, durante a guerra entre legitimistas e democráticos, William Walker destruiu Granada.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

A JANELA






Hoje parou de chover. A cidade estava submersa. As ruas eram rios. As pontes caíram. As estradas despedaçadas como veias rompidas. Agora o sol assoma tímido na minha janela. As nuvens parecem de um metal estranho e pesado. Teimosas, insistem em obstruir os raios do sol. É domingo e desde quinta chovia sem parar. A cidade quase virou uma ilha. Isolada de tudo. Canoas improvisadas percorriam as ruas. Pessoas nos telhados e nas árvores. Carros e animais arrastados pela correnteza.

Olho para a rua e parece que não passou nada. Um vento calmo e fresco assopra entre as árvores. O céu está limpo e mais azul que nunca. As nuvens pesadas foram embora. O sol esquenta os telhados. Na praça, voltaram os jogadores de damas. Os pais caminham no centro da cidade, puxando os filhos. As ruas estão limpas. A torre da catedral brilha com o reflexo da luz do sol. Parece dia de festa.
É outro dia já. Volto a minha janela. Esperava um dia brilhante e cheio de sol. O dia está calmo. Nublado. Uma chuva fina inunda o ar. Um cavalo puxando uma carroça passa diante de mim. As pessoas abrem vagarosamente as portas das casas. Novamente parece dia de festa. Descubro porquê. É verão e as pessoas deixaram a cidade. Vazia só para mim. Difícil imaginar uma praia com sol depois do dilúvio. Com certeza em algum lugar, alguém mergulha numa onda morna. Detesto o mar gelado.
Longe daqui, as cidades são castigadas pelas bruscas mudanças climáticas. Paris e Londres estão congeladas. Não gostaria estar aí. Paris sob a neve deve perder seu encanto. Lindas as fotos das neves cobrindo as ruas e os tetos. A torre Eifel agora é de gelo e os turistas fugiram. Devem ter vindo para os trópicos. E com certeza curtem agora a areia branca de alguma ilha do Caribe.
Prefiro minha janela. As horas se deslizam preguiçosas, mas inexoráveis. O tempo se acaba. Ouço os operários construindo um prédio interminável. No meu quarto, Cafruné canta aos quileiros. Volto à história do filme, "O banheiro do Papa", que recentemente assisti. Não sinto minhas pernas magras de tanto pedalar. Sinto o vento no meu rosto. Corto a distância com o peito de pedra e o coração de pão. Vejo as vacas gordas pastando. Repito junto com um dos personagens “eu uso isto”. Tocando minha cabeça com os dedos. No fundo do meu cérebro sei que há alguma idéia capaz de mudar o mundo. Por enquanto, apenas pedalo, rumo a uma nova vida. O futuro deve estar perto e é possível alcançá-lo de bicicleta, mas o céu se veste de urubús. Cafruné é a trilha sonora deste filme real. “Guricito piernas flacas, barriguita de melón, donde hay tantas vacas gordas, no hay charque para vos”
E Deus proverá.
Daqui a pouco vai amanhecer. A escuridão sólida inunda o buraco onde estou. Supostamente é uma trincheira em forma de “ele. Eu preciso acreditar que será eficiente quando precise dela. Mais do que ao inimigo, tenho terror das cobras. Qualquer barulhinho, qualquer movimento de folhas secas imagino uma cobra se arrastando até onde eu estou. Não enxergo nada. Nesses momentos uso a imaginação e sou capaz de ir tão longe daqui. Vejo-me andando numa rua cheia de gente. Olho as mulheres com roupas coloridas. Como são bonitas - digo-me. Cabelos soltos, recolhidos, escuros, claros. Uma delas se aproxima. Olha-me como querendo me reconhecer. Eu não sei quem é. Apenas a voz me parece conhecida, mas quem será?
As folhas se movem. Sinto o vento no meu rosto. Volto à realidade. Vai amanhecer. Escuto os passarinhos se acordando uns a outros. A escuridão se desvanece pouco a pouco. Nessa hora espero qualquer coisa. Mas nada ocorre.
Olho pela janela. Choveu a noite toda. Um sol fraco aquece os telhados. De novo ontem as ruas asfaltadas da cidade se transformaram em rios. Mesmo que chova um pouco é impossível caminhar pelas calçadas inundadas. A Prefeitura bem que poderia inaugurar o novo sistema viário. Acho que daria mais ibope que asfaltar as ruas da cidade e a re-eleição estaria garantida. Pelotas é a nova Veneza.
Olho de novo para a janela e o céu promete mais chuva. Gosto desta cidade de céu aberto quando não chove. O mar está perto. E na lagoa um bando de patos brinca com a brisa.
Pelotas parece com Granada e León. As casas coloniais, as igrejas são testemunhas mudas da colonização. Aqui dos portugueses e lá dos espanhóis. Granada é vigiada de perto pelo grande lago Cocibolca; Pelotas namora a Lagoa dos Patos. Os telhados, as sacadas, as fachadas das casas e prédios são muito parecidas. Posso andar nas ruas de Pelotas e sentir que estou na Granada da minha infância.