sábado, 21 de fevereiro de 2009

A JANELA






Hoje parou de chover. A cidade estava submersa. As ruas eram rios. As pontes caíram. As estradas despedaçadas como veias rompidas. Agora o sol assoma tímido na minha janela. As nuvens parecem de um metal estranho e pesado. Teimosas, insistem em obstruir os raios do sol. É domingo e desde quinta chovia sem parar. A cidade quase virou uma ilha. Isolada de tudo. Canoas improvisadas percorriam as ruas. Pessoas nos telhados e nas árvores. Carros e animais arrastados pela correnteza.

Olho para a rua e parece que não passou nada. Um vento calmo e fresco assopra entre as árvores. O céu está limpo e mais azul que nunca. As nuvens pesadas foram embora. O sol esquenta os telhados. Na praça, voltaram os jogadores de damas. Os pais caminham no centro da cidade, puxando os filhos. As ruas estão limpas. A torre da catedral brilha com o reflexo da luz do sol. Parece dia de festa.
É outro dia já. Volto a minha janela. Esperava um dia brilhante e cheio de sol. O dia está calmo. Nublado. Uma chuva fina inunda o ar. Um cavalo puxando uma carroça passa diante de mim. As pessoas abrem vagarosamente as portas das casas. Novamente parece dia de festa. Descubro porquê. É verão e as pessoas deixaram a cidade. Vazia só para mim. Difícil imaginar uma praia com sol depois do dilúvio. Com certeza em algum lugar, alguém mergulha numa onda morna. Detesto o mar gelado.
Longe daqui, as cidades são castigadas pelas bruscas mudanças climáticas. Paris e Londres estão congeladas. Não gostaria estar aí. Paris sob a neve deve perder seu encanto. Lindas as fotos das neves cobrindo as ruas e os tetos. A torre Eifel agora é de gelo e os turistas fugiram. Devem ter vindo para os trópicos. E com certeza curtem agora a areia branca de alguma ilha do Caribe.
Prefiro minha janela. As horas se deslizam preguiçosas, mas inexoráveis. O tempo se acaba. Ouço os operários construindo um prédio interminável. No meu quarto, Cafruné canta aos quileiros. Volto à história do filme, "O banheiro do Papa", que recentemente assisti. Não sinto minhas pernas magras de tanto pedalar. Sinto o vento no meu rosto. Corto a distância com o peito de pedra e o coração de pão. Vejo as vacas gordas pastando. Repito junto com um dos personagens “eu uso isto”. Tocando minha cabeça com os dedos. No fundo do meu cérebro sei que há alguma idéia capaz de mudar o mundo. Por enquanto, apenas pedalo, rumo a uma nova vida. O futuro deve estar perto e é possível alcançá-lo de bicicleta, mas o céu se veste de urubús. Cafruné é a trilha sonora deste filme real. “Guricito piernas flacas, barriguita de melón, donde hay tantas vacas gordas, no hay charque para vos”
E Deus proverá.
Daqui a pouco vai amanhecer. A escuridão sólida inunda o buraco onde estou. Supostamente é uma trincheira em forma de “ele. Eu preciso acreditar que será eficiente quando precise dela. Mais do que ao inimigo, tenho terror das cobras. Qualquer barulhinho, qualquer movimento de folhas secas imagino uma cobra se arrastando até onde eu estou. Não enxergo nada. Nesses momentos uso a imaginação e sou capaz de ir tão longe daqui. Vejo-me andando numa rua cheia de gente. Olho as mulheres com roupas coloridas. Como são bonitas - digo-me. Cabelos soltos, recolhidos, escuros, claros. Uma delas se aproxima. Olha-me como querendo me reconhecer. Eu não sei quem é. Apenas a voz me parece conhecida, mas quem será?
As folhas se movem. Sinto o vento no meu rosto. Volto à realidade. Vai amanhecer. Escuto os passarinhos se acordando uns a outros. A escuridão se desvanece pouco a pouco. Nessa hora espero qualquer coisa. Mas nada ocorre.
Olho pela janela. Choveu a noite toda. Um sol fraco aquece os telhados. De novo ontem as ruas asfaltadas da cidade se transformaram em rios. Mesmo que chova um pouco é impossível caminhar pelas calçadas inundadas. A Prefeitura bem que poderia inaugurar o novo sistema viário. Acho que daria mais ibope que asfaltar as ruas da cidade e a re-eleição estaria garantida. Pelotas é a nova Veneza.
Olho de novo para a janela e o céu promete mais chuva. Gosto desta cidade de céu aberto quando não chove. O mar está perto. E na lagoa um bando de patos brinca com a brisa.
Pelotas parece com Granada e León. As casas coloniais, as igrejas são testemunhas mudas da colonização. Aqui dos portugueses e lá dos espanhóis. Granada é vigiada de perto pelo grande lago Cocibolca; Pelotas namora a Lagoa dos Patos. Os telhados, as sacadas, as fachadas das casas e prédios são muito parecidas. Posso andar nas ruas de Pelotas e sentir que estou na Granada da minha infância.

Nenhum comentário: