sábado, 28 de março de 2009

Cem anos de solidão ...para ler


Dia lindo de sábado. O sol amarelo incendeia docemente a cidade. Hoje Pelotas é um enorme doce amarelo. Depois do almoço caminharei pelo centro e brindarei com um fio de ovos, uma trouxinha de nozes ou um olho de sogra. São meus doces preferidos. Apesar de que em Pelotas não existe nenhuma cana-de-açúcar plantada, Pelotas é a cidade dos doces. A troca do charque por açúcar fez possível este milagre. É o poderoso milagre do mercado dando certo. A mágica da fabricação de doces sem plantar cana-de-açúcar.
Tenho vontade de sair voando pela janela. Olharia de cima cada detalhe da cidade. Mas prometi a mim mesmo não voar nunca mais. Pelo menos hoje não voarei. Um dia assim como hoje promete ser libertador. Ontem arrumei meus livros. Por fim, numa parede da sala, coloquei uma estante. Ninguém suspeita sequer o prazer de ir colocando cada livro no seu lugar, encontrando as afinidades, por autor, por tema, e assim a parede foi se enchendo de livros que jamais eu lerei. Acho que foi Umberto Eco, que numa entrevista disse que levaria mais de 200 anos para ler todos os livros que ele tinha comprado. Mas que esse não era motivo para deixar de percorrer livrarias e becos de livros usados para descobrir maravilhas. Claro que ele não disse essas palavras literalmente, mas o sentido é esse. Eu penso o mesmo, não lerei todos os meus livros, mas alguém o fará. Meu sonho é um dia deitar na minha cama ou numa rede e ler sem parar. Leria esquecendo para sempre qualquer responsabilidade, qualquer tarefa encomendada. Apagaria de vez todos os compromissos e todos os prazeres, menos um, o prazer de ler.
Há pouco comprei uma seleção de contos de Juan Carlos Onetti, um escritor uruguaio, muito conhecido na América Latina, pouco conhecido no Brasil. O apresentador dessa coleção de contos de Onetti recomenda, por experiência própria, ficar deitado o dia todo, imerso no universo dos personagens onettianos. Um dia farei isso. Sem nada mais a fazer. Sem obrigação nenhuma, flutuando em Santa Maria, a cidade imaginária criada por Onetti e com os mesmos personagens, que passam de um conto para outro, que envelhecem com o leitor e, portanto são velhos conhecidos. Santa Maria, como cidade ficcional, não só representa as cidades do Rio da Prata, mas a cidade da América Latina.
Eu ficaria dias inteiros, meses lendo. Poderia o mundo cair lá fora e eu encerrado no meu mundo imaginário. Leria todo Borges, Garcia Marquez, Juan Rulfo, Julio Cortazar, Sergio Ramirez, só para nomear alguns latino-americanos. Eu me contentaria tendo cem anos só para ler, seriam meus perfeitos cem anos de solidão.
Só recentemente Juan Carlos Onetti foi traduzido para o português. Um par de semanas atrás descobri que o último livro de Vargas Llosa é um ensaio sobre Onetti. Em esse livro chamado de “EL viaje a la ficción”, obviamente sem tradução ainda, Llosa disse que Onetti ainda não foi descoberto e não obteve o reconhecimento que merece. E mais ainda, é categórico quando afirma que com Onetti a literatura latino-americana entra na modernidade, saindo do ambiente rural.
Juan Carlos Onetti nasceu em Montevidéu, em 1909. Morreu em Madri, longe da sua cidade natal, mas levou consigo Santa Maria, a cidade que ele criou. Em 1955 publica “La vida breve” . É nesta obra que cria Santa Maria.
Eu tive mais sorte que ele. Encontrei uma cidade gêmea, a doce Pelotas. Eu prometi que não voaria hoje, esqueçam o que eu disse.

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