Cada nota musical de Cafrune vai doendo na alma na medida em que avança o filme. A história é real, e no filme se espelham outras histórias, de tantas populações esquecidas por Deus e o Diabo.
Refiro-me ao filme “O banheiro do Papa”. Achei o filme grávido de uma ironia que só a própria vida real possui. Miséria e religião se misturam na história do filme, mas também campeia nela, livre, a esperança das populações à margem da história.
A chegada do Papa a Melo, pequena cidade uruguaia, fronteiriça com o Brasil, representa a salvação, mas não a salvação eterna pregada pelo Papa e seus seguidores, mas a salvação imediata e urgente do naufrágio, este sim eterno, em que vivem milhões neste mundo.
Os jornalistas informam que a chegada do Papa, levará a Melo 20, 40, 50 e até 100 mil pessoas, a maioria deles, brasileiros. A blasfêmia se instala na comunidade. Alguns ficam com medo que anjos com as espadas de fogo venham a expulsar os sacrílegos. Jesus expulsou os mercadores do templo, conta a bíblia. Parece que foi ele o primeiro a ser contra o livre comércio. Mas no caso de Melo se trata de uma iniciativa justa, ao final Deus ajuda a quem se ajuda.
A agitação se espalha pela comunidade. As iniciativas vão se multiplicando como ondas de um mar revolto. Batatas fritas, lingüiça, pastéis, água quente para o mate.
E se todos comerem e beberem, com certeza, precisarão de um banheiro. E se fez a luz. A nova idéia como um relâmpago iluminou o céu. E Beto, um dos personagens, empreende uma alucinada correria para poder trazer o vaso do outro lado da fronteira. E faz qualquer coisa para isso, tenta pegar as economias que a mulher está guardando para os estudos da filha, que sonha ser apresentadora de TV. Nessa correria Beto até pactua com o Diabo, representado pelo guarda de fronteira (um legítimo urubu). Pacto que depois desfaz, mas paga o preço, com a recriminação da filha e da mulher. A vida é cheia de armadilhas. Algumas delas, mortais.
A visita do Papa a Melo foi tão fugaz que nem deu tempo de encher as bexigas. Ninguém procurou o banheiro do Beto. O esforço foi inútil. Os pastéis e as lingüiças ficaram nas mesas e a aflição das pessoas não era mais comovedora, porque está incrustada muito funda na pele dos pobres.
A esperança dos pobres é interminável. Ela é a última que morre. Uma nova idéia surgirá, e talvez desta vez dê certo. De fato, na última cena do filme, Beto grita para a mulher “Tenho uma idéia”!!!
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