sexta-feira, 8 de maio de 2009

As de Espadas


Minha avó, como quase todas as avós, era muito religiosa. Em casa havia santos de todos os tipos que me olhavam, eu juro, com um sorrisinho irônico. Aprendi que eu tinha que andar com cuidado, sem aprontar. Eu não sabia como aqueles olhinhos santos me perseguiam sem mover suas cabeças. Ainda bem que na cozinha não havia santo algum. Fora do alcance do olhar divino eu aproveitava como podia, ainda que depois eu fosse obrigado a confessar meus “pecados”, e como eu tinha poucos, eu os inventava. E assim fui descobrindo que a religião era um grande invento. Aprendi a gostar de ler a bíblia. Divertia-me muito com as histórias de Lázaro, com a morte de Jesus na cruz e me fascinava a ressurreição. Domingo eu ia à missa e por incrível que pareça, eu cantava. Nunca mais esqueci aquelas músicas que às vezes me surpreendo cantando no banho. Depois de confessar meus pecados inventados eu recebia a hóstia. Gosto estranho, eu preferia tomar aquele cálice que o padre saboreava com vontade. Eu ficava na dúvida se os padres acreditavam realmente nas histórias do paraíso ou se fingiam. Do que eu tinha certeza é que saboreavam como ninguém os frutos desta vida.
Num dia de janeiro chegou Ramona de minissaia e pernas divinas. Ela foi a alegria dos meninos do bairro e a minha também: graças a ela eu teria pecados reais para confessar. Ramona era linda, tinha vinte anos e eu doze. A esta altura eu quase tinha esquecido as pernas gordas de Alicia, ainda que de manhã, quando eu acordava, olhava triste para sua casa, que permanecia fechada. Ramona morava na casa da minha avó, ela era de uma pequena cidade ao norte do país, perto da fronteira, chegava a Manágua para estudar. Sentia-me privilegiado, tendo a Ramona tão pertinho. De manhã eu podia sentir seu perfume quando ela saia do banheiro, com o cabelo longo e preto molhado. Quando chegava a noite, sentados na porta de casa, jogávamos cartas. A casa foi se enchendo da gurizada do bairro, mas Ramona era só minha e o baralho também. Aproveitei que eu dava as cartas para criar um novo jogo. Eu disse que quem encontrasse As de espadas ganharia um beijo de Ramona, evidentemente que com o consentimento e o prazer dela. É fácil adivinhar que fiz trapaça e todas as noites ganhei de Ramona seus beijos. Eu era feliz: tinha um pecado real para confessar.

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