domingo, 17 de maio de 2009

A filha do marceneiro


Quando acordei a primeira imagem que eu vi foi aquela senhora de cabelos brancos, presos num coque maravilhoso, de saia azul marinho, de bolinhas brancas, blusa bordada, sapatos de cor clara, de salto baixo. Minha avó era muito parecida com Golda Meir, a primeira ministra de Israel. Depois eu soube que ela fazia suas próprias roupas. Eu a via debruçada horas na máquina de costurar, parecia feliz, divertindo-se como uma menina. De vez em quando aparecia, pela porta que dava ao pátio, um senhor de bigode, de regata branca e calças caquis. Ela parava e se levantava para abraçá-lo. Era meu pai. Soube depois que ele também passava horas na máquina de costurar fazendo calças masculinas. Nos meus devaneios posteriores pensei que meu destino estava traçado: eu também ficaria sentado horas diante a máquina de costurar, ouvindo o barulhinho harmonioso da agulha entrando rapidamente no tecido. Uma manhã, antes do meio dia, pela mesma porta que dava ao quintal, a loucura entrou em casa, e de contrabando a morte também. Vi o homem de bigode se desmoronar com o peito partido. Deitou na minha estreita cama de menino, de lona militar. Um barulho estridente estremeceu meus ouvidos e soube que o mundo começava a desabar. Do quintal entrou um vento morno. Escutei o gato andando no telhado. De repente fiquei só na casa. A senhora arrastou para a rua o homem de bigode que parecia de chumbo, chamou um taxi que partiu veloz com rumo desconhecido, mas que eu adivinhava. O gato desceu do telhado e entrou pela porta aberta. Deitou-se perto de mim e vi seus olhos amarelos e tristes. Senti um vento frio subindo minhas costas. Pensei em Adília, a filha de seu Ernesto, o marceneiro que morava ao lado, nosso vizinho. Ela era de cabelos e olhos escuros e na tarde anterior, sem eu pedir nada, me deu um beijo e com ele também seu segredo. Um segredo macio e doce que eu guardei, e com ele enchi a casa toda. Eu tinha seis anos, ela dezessete. Na rua, o sol de Manágua explodia em faíscas brilhantes, redondinhas e irregulares, que eu ainda vejo.

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