domingo, 24 de maio de 2009

Um terremoto e uma revolução

Duas coisas marcaram profundamente minha vida: um terremoto e uma revolução. Uma delas foi para mim, muito concreta e fácil de explicar cientificamente: duas placas tectônicas que num momento se chocam e nesse movimento derruba tudo o que há na superfície.
A revolução, pelo contrário, foi algo abstrato, mas que pouco a pouco foi tornando-se tão concreto e dolorido, (con)fundindo-se com a própria carne. A revolução era uma idéia tão abstrata que, como em um filme de ficção, poderia tomar qualquer forma: de uma coisa ou de uma pessoa, de uma pedra ou de um bicho. Para mim, primeiro foi uma coisa, depois foi tomando outras formas impensáveis.
Ainda estava no colégio quando fui conhecer a universidade. Era um lugar misterioso. Ficava afastado, longe e que só o fato de se deslocar até lá, era uma aventura. Era uma espécie de ilha, mas metaforicamente falando. Era tempo de ditadura. Tudo era proibido, no País havia censura, restrição da livre circulação das idéias e muitos prisioneiros políticos. Esse lugar misterioso foi minha primeira imagem da revolução.
O primeiro que me chamou a atenção foram as paredes cheias de pichação. Não tinha nenhuma parede sem pichação. Essa imagem eu nunca esqueci, primeiro foi algo estranho, e depois, pouco a pouco, fez parte de mim, se fundindo comigo. Muitas vezes eu amanheci nas mesas de arquitetura, ou num velho colchão no local da associação de estudantes. E sem perceber todos os significados, fiquei no centro do turbilhão que iniciava a explodir.
Muito me perguntam hoje, se na Nicarágua a revolução voltou. Com certeza não, ela terminou, a desilusão estampada nos rostos de muitos é um forte indicador. Quando me perguntam se a revolução voltou, fico tentado a responder que nunca houve revolução. Mas talvez seja um exagero responder isso, ou seja muito difícil de compreender para quem ouve. Ou até para quem disse tal coisa, neste caso: eu. A verdade é que a grande maioria de meus amigos estão completamente desiludidos. Alguns buscaram refúgio na religião, na salvação eterna, já que a terráquea foi uma ilusão. Pode ser que para eles, a revolução fosse uma espécie de religião, a mais verdadeira, mas que depois se contaminou, apodreceu ou ficou impura.
Por isso é difícil pensar que a revolução é “tomar o poder”. Talvez este seja o sentido da afirmação de um sociólogo que disse que é possível (ou necessário) fazer a revolução sem tomar o poder.
Por isso a revolução é difícil de explicar. Antes era uma idéia luminosa que eu enxergava pairando sobre o lago de Granada, ou como a força invisível do vento que levanta pedacinhos de papel nas ruas de Manágua.

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