Finalmente explodiu o conflito latente entre a Igreja e o governo de Daniel Ortega. O motivo: uma carta supostamente escrita por meu amigo, o sociólogo Orlando Nuñez que também é assessor presidencial. Essa carta se espalhou rapidamente pela internet. O silêncio do governo fez aumentar a tensão.
Quando li sobre essa carta o primeiro que pensei: Orlando será sacrificado e devorado, assim como outras revoluções devoraram os seus próprios filhos. Ainda bem que não foi assim e a carta foi atribuída a hackers de luxo. É o que disse Rosário Murillo, esposa de Ortega. Outros responsabilizam à CIA, algo que também pode ser possível, ao final de tudo há na vinha do Senhor...
Conheço Orlando: além de crítico e democrático é generoso. Nos anos 80 quando era diretor de um Centro especializado em estudos da reforma agrária, teve a coragem de aceitar no seu seio a muitos dissidentes de esquerda e críticos do sandinismo. Era a época da euforia revolucionária. E ele conseguiu a proeza de juntar num centro de pesquisa todos os tipos de exs...: ex-maoístas, ex-trotskistas, ex-comunistas e tantos outros ex. Assim, os velhos jovens radicais, mesmo não esquecendo a Trotsky ou Mao foram seduzidos pela pesquisa científica.
A última vez que eu fui para Manágua, Daniel Ortega ainda não tinha voltado à presidência e encontrei Orlando matutando a idéia de criar um Programa de fome zero semelhante ao de Lula.
Agora os bispos esperam provas. Na carta os bispos são acusados de corrupção, mulherengos, pais de filhos ilegítimos e alcoólatras.
Daniel voltou à presidência da Nicarágua com o apoio da Igreja católica. Em troca, Ortega se empenhou em proibir o aborto terapêutico. Um direito adquirido fazia cem anos e garantido pela constituição nicaragüense. De nada serviram as vozes revoltadas do movimento das mulheres. Essa relação entre a igreja e o poder é antiga e cheia de labirintos misteriosos e perigosos.
Sábado passado estava programada uma reunião entre os bispos e o governo cuja pauta era: o aborto terapêutico, a paz social, a administração pública e as demandas sociais. Por causa da tensão ocasionada pela carta, a reunião não aconteceu e foi incluída na programação da XXXII Assembléia do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) que começou esta semana em Manágua. Os bispos querem evitar que o governo volte atrás em relação ao aborto terapêutico, portanto que seja mantida a proibição. Os deuses devem estar loucos. Igual àquele filme excelente de inícios dos anos 80 a quem não viu, eu recomendo.
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